Jornal de Medicina e Saúde

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29 dezembro 2005



Leopoldo Matos, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva
“Vale mais rastrear do que tentar tratar, curar e enterrar”


O cancro do cólon e recto é a principal causa de morte por cancro em Portugal. Para mudar este cenário, o gastroenterologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, Leopoldo Matos, aconselha os portugueses a readoptarem a dieta mediterrânica, a fazerem exercício físico e, quando tiverem 50 ou mais anos, a realizarem um rastreio ao cólon.


Daniela Gonçalves - O cancro do cólon e recto é a principal causa de morte por cancro, em Portugal. Quais as causas desta elevada taxa de prevalência?

Leopoldo Matos - O cancro do cólon foi, nos últimos dez anos, aquele que mais tem vindo a aumentar nas sociedades ocidentais e pensa-se que a única motivação para um acontecimento destes podem ser alterações alimentares, nomeadamente, a fast-food. A população urbana ocidental foi-se afastando da alimentação clássica mediterrânica, o peixe, os vegetais, a fruta, os cereais. Esse afastamento é que pode, eventualmente, ser responsabilizado por essa elevada taxa de prevalência deste cancro. Isto porque temos a certeza que a fibra é importante para o trânsito intestinal, bem como as vitaminas e o cálcio. Pensa-se que o sedentarismo e a poluição constituem, também, factores de risco.
No entanto, existe uma carga hereditária numa percentagem de 2% dos cancros do cólon e recto nalguns países, o que em si mesmo constitui também uma das causas para o desenvolvimento da doença.

Quais os principais grupos de risco?

Os grupos de risco podem ser classificados em dois: com risco aumentado e com o risco padrão. é este que nos interessa mais, pois constitui mais de 90 por cento dos acontecimentos. Esse grupo é constituído pelos indivíduos saudáveis, sem queixas, sem alterações intestinais, sem ninguém na família que tenha tido este tipo de cancro e que têm 50 anos. A partir dos 55, 60 anos, começa a aumentar progressivamente e quase de forma exponencial o número de casos de cancro do cólon. Há 90 por cento ou mais que têm como entidade inicial um pólipo, que é identificável e retirado antes de dar sinal e de ter uma transformação maligna, 5 a 10 anos. Começamos aos 50 anos a identificar os pólipos, a retirá-los e a livrar aquela pessoa de vir a desenvolver o cancro. Os pólipos são alterações das células que revestem o intestino.

Quais os métodos de rastreio mais eficazes para prevenir o surgimento do cancro do cólon e recto?
A colonoscopia é o método de rastreio mais eficaz e, particularmente, a total. Entre 60 a 70 por cento dos tumores no cólon são no lado esquerdo, daí usar-se, algumas vezes, a colonoscopia esquerda. No entanto, a mais eficaz é, sem dúvida, a total. E porquê? Porque através deste método de rastreio o pólipo é identificado e retirado no mesmo acto, enquanto que nos outros métodos isso não sucede. A pesquisa de sangue oculto nas fezes, por exemplo, implica sempre a realização de uma colonoscopia. No entanto, se não for possível realizar a total, por motivos financeiros, de recursos humanos ou de instalações, é preferível recorrer à pesquisa de sangue oculto nas fezes do que não fazer nenhum rastreio. Aqui vale a pena fazer prevenção primária e secundária, que são atitudes que não têm a ainda a ver com a cura precoce do tumor. Nós estamos a dizer: seja saudável, faça exercício físico e coma bem, isto no âmbito da prevenção primária. E depois, quando chega aos 50 anos, comece a procurar se tem alguma entidade benigna, pólipo, que pode a médio ou a longo prazo ter uma alteração maligna. Se houver um pólipo, este deverá ser retirado. Estamos, então, numa fase de prevenção e não de diagnóstico precoce.


A SPED tem trabalhado nas campanhas de persuasão e sensibilização da população para a necessidade de um rastreio para evitar o surgimento do cancro do intestino. Que balanço faz desse esforço?

Esse esforço tem sido muito importante. Dirigimos as nossas campanhas de prevenção do cancro do cólon e recto para a população em geral, recorrendo aos média, para que a mensagem passe. Num inquérito feito em 2003 à população dos países da União Europeia, verificámos que os portugueses eram os mais esclarecidos, mas não eram aqueles que mais recorriam ao rastreio, e isto devido às dificuldades de acesso. O problema é que a nossa estrutura de saúde gastroenterológica está essencialmente na medicina diagnóstica e curativa e não na prevenção. Nós estamos instalados e estruturados a nível de hospitais, que têm uma função de diagnóstico e tratamento. Os cuidados de saúde primários (centros de saúde) é que têm uma função de prevenção e rastreio. Actualmente, estamos a tentar encontrar parcerias para montar oito centros-piloto a nível nacional, em centros de saúde, para fazer rastreio. Queremos que os cidadãos que se consideram saudáveis procurem o rastreio por questões de higiene de saúde e de vida e não porque apresentam sintomas.

Na sua óptica, o Plano Oncológico Nacional satisfaz as necessidades de rastreio do cancro do cólon e recto?

O Plano Oncológico Nacional propõe que o rastreio do cancro do cólon e recto seja feito, o que para a Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva é uma atitude muito positiva, porque foi incluído na última revisão, pela primeira vez. Mas tem dois pontos fracos. Um deles é o método que propõe, o da pesquisa de sangue oculto, que não se encontra à venda em Portugal. O outro é que o Plano, no que concerne ao cancro do cólon e recto, tem uma força informativa, mas não tem executiva. Não se verifica nos cuidados primários de saúde uma atitude preventiva. Quem tem desenvolvido um maior esforço nesse sentido têm sido os média e a Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, através das suas campanhas de sensibilização.

Qual a leitura que faz das medidas de luta contra este carcinoma do Ministério da Saúde?
Do ponto de vista ético, a SPED tem a obrigação de velar pela saúde e bem-estar dos portugueses, mas não temos obrigatoriamente uma relação de parceria com o Ministério da Saúde, embora gostássemos de ter. Achamos que cabe à sociedade civil procurar influenciar o poder político para tomar esse tipo de iniciativas.

Anabela Pinto, consultora de Gastrenterologia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, afirmou, em entrevista ao “Diário de Notícias”, que as dificuldades dos cidadãos em recorrer ao rastreio deste tipo de cancro se deve à “falta de vontade política”, defendendo que, para inverter a situação, os “portugueses têm que pressionar os políticos”. Concorda?

Sim, concordo. Penso que a sociedade civil devia pressionar o poder político para facilitar o acesso ao rastreio do cancro do cólon e recto.
Nós já nos aproximámos do coordenador nacional da luta contra as doenças oncológicas, que é uma entidade criada por este actual ministério. O problema que se coloca aqui é que aposta e qual o método que o Serviço Nacional de Saúde vai implementar. Como isto implica investimentos, têm surgido constrangimentos ao nível dos sucessivos ministérios da saúde, nos últimos anos. A escolha de um determinado método depende muito da análise da relação custo-benefício. No estudo que a SPED fez em parceria com a Universidade Católica, demonstrámos que vale mais rastrear do que tentar tratar, curar e enterrar. O problema disto tudo é a despesa. Também está demonstrado que o rastreio traz mais benefícios não só de redução de sofrimento e mortes, mas igualmente económicos. É mais barato rastrear a população com mais de 50 anos do que operar, fazer quimioterapia, e internar.

Considera que existe uma tendência para o aumento do número de novos casos de cancro do intestino, em Portugal?

Seguramente. Nos últimos 10 anos verificou-se, em Portugal, o aumento para o dobro do número de mortes por cancro do cólon e recto. Por toda a Europa o número de mortes e identificação de lesões pré-malignas tem vindo a aumentar, e particularmente, em Portugal, França, Polónia e República Checa. O número de novos casos deste tipo de cancro está a aumentar e tal acarreta custos de vida. Isto porque o acesso ao rastreio não é generalizado, apesar de se terem registado progressos ao longo dos últimos anos.