Jornal de Medicina e Saúde

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28 março 2006

Entrevista
Alexandre Castro-Caldas, neurologista e director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa

“Os doentes com Parkinson devem ser acompanhados sempre pelo mesmo médico”

A doença de Parkinson é uma disfunção do sistema motor, que atinge principalmente indivíduos com mais de 55 anos. O acompanhamento do doente pelo mesmo médico e a interacção com a Associação de Doentes com Parkinson, são os dois principais conselhos que Alexandre Castro-Caldas, neurologista e director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, dá aos doentes.

Daniela Gonçalves - A doença de Parkinson é uma disfunção do sistema motor que, à medida que progride, acaba por comprometer a autonomia do doente. O que está na base desta doença?

Alexandre Castro Caldas - é um fenómeno a nível molecular e celular, que ainda é hoje pouco compreendido. Há umas certas células produtoras de dopamina que, a partir de um dado momento, começam a morrer precocemente. Existem grupos específicos e muito pequenos em que se encontra um traço genético que justificaria eventualmente aquela situação. Há outras situações em que se encontram tóxicos associados a essa perda celular.
Descobriu-se que havia agentes exteriores que poderiam provocar a Doença de Parkinson, quando um toxicodependente sintetizou uma substância, o MPTP, no momento em que estava a preparar as substâncias para se injectar. O MPTP originou um quadro idêntico à Doença de Parkinson por degenerescência aguda das células envolvidas na produção de dopamina.

D.G. -Como se faz o diagnóstico desta doença?

A.A.C - Faz-se observando o doente e do ponto de vista neurológico.

D.G. - Quais são os seus sintomas?

AC.C. - O primeiro é a lentificação do movimento, quer na expressão da marcha, do gesto, e da escrita que fica micrográfica. O segundo sintoma principal é a rigidez muscular e, finalmente, seguido do tremor. A perda dos reflexos de equilíbrio, problemas de obstipação e de tensão arterial são outros sintomas da doença. No domínio mental, há também alterações de personalidade. O doente fica muito egocêntrico, factor que dificulta a sua relação com a família. Ele é capaz de chamar várias vezes um familiar durante a noite para o ajudar a virar-se na cama, e não perceber que está a cansar o outro. Há também uma lentificação do processamento da informação.

D.G. -A doença de Parkinson pode gerar uma demência?

A.C.C. - Sim, existe um pequeno grupo de doentes que se demenciam (30 por cento dos doentes). As alterações mentais podem surgir também do tratamento. Enquanto que na evolução da doença, pode suceder a perda das faculdades intelectuais, à semelhança do que se verifica com a doença de Alzheimer, os efeitos dos medicamentos originam muitas vezes psicoses, o doente começa a ter alucinações relacionadas com o tratamento.

D.G. - Qual o grupo de risco da doença de Parkinson?

AC.C. - O grupo de risco da doença de Parkinson é composto por indivíduos com idades acima dos 55 anos. Não se registam diferenças significativas de prevalência da doença, entre homens e mulheres.

D.G. -Que tipo de acompanhamento deve ter o doente com Parkinson?

A.C.C - Há dois acompanhamentos a considerar e que são, por um lado, o tratamento farmacológico e, por outro, um acompanhamento com vista à integração social do doente e manutenção da sua actividade.
Existe uma Associação de Doentes com Parkinson que tem um papel social importante, a partir da realização de várias reuniões com familiares, onde há o esclarecimento sobre o que é a doença e acerca da melhor forma de lidar com ela.

D.G. - Quais são as consequências da existência de um doente com Parkinson no seio de uma família?

A.C.C - é fundamental ajudar o doente e a família a viverem. A doença de Parkinson é uma doença crónica que se arrasta durante vários anos, e que compromete as expectativas das pessoas da família relativamente ao futuro, embora a esperança de vida do doente com Parkinson seja muito semelhante à das outras pessoas. Nos dez primeiros anos, a vida pode ser bastante razoável.
Há no entanto, algumas limitações, sobretudo, no caso dos doentes em estádios mais avançados da doença.
Quando a doença aparece em jovens, aí é mais complicado, as coisas complicam-se em termos de expectativas de futuro, não sendo, no entanto, esta situação comum

D.G. - Em que consiste a deep brain stimulation ?

AC.C. - é a implantação de um estimulador numa zona específica do cérebro, em casos muito bem seleccionados, não é para todos os casos, e o doente tem que ser muito bem acompanhado. Trata-se de uma cirurgia. O estimulador tem controlo remoto, e consegue reduzir os sintomas. Ao estimular aquela zona do cérebro, impede o circuito de funcionar e liberta os movimentos. Há uma modificação do circuito eléctrico e este passa a funcionar melhor. O balanço errado entre os circuitos no cérebro é que provoca os sintomas.

D.G. - Em certos casos, é necessário que o doente se submeta à palidotomia. Quais são essas situações?

AC.C. - A palidotomia é uma cirurgia em que se faz uma pequena lesão no cérebro, e que melhora sobretudo o tremor. Actualmente, aplica-se cada vez menos, graças ao maior recurso à estimulação cerebral profunda.

D.G - Actualmente, ainda não se pode avançar com precisão as causas desta doença, sendo apenas equacionadas algumas hipóteses, como por exemplo, a da influência de factores ambientais, como as toxinas, no desenvolvimento de Parkinson. Qual o grau de fiabilidade desta hipótese?

A.C.C - Há dados que sugerem que as pessoas que lidam com pesticidas têm maior probabilidade de virem a desenvolver a doença, bem como aquelas que bebem água do poço. São apenas sugestões, mas que devem servir de base à prevenção.

D.G - Considera que o implante cerebral desenvolvido pelos investigadores da University of Alabama pode atenuar os sintomas desta doença?

A.C.C - Sim, já que algumas células da retina são dopaminérgicas. Não nos esqueçamos que o olho é uma extensão do cérebro. Trata-se de fazer um implante no local onde morreram as células, pondo lá células novas. As primeiras experiências remontam já aos anos 80. No entanto, é necessário ter cautela na sua generalização, pois cada caso é um caso. Actualmente, tem-se esperança nas futuras experiências com células estaminais que são percursoras de neurónios, mas ainda não há nada de definitivo.

D.G. - Que conselhos o senhor Professor dá aos doentes com Parkinson?

AC.C. - O primeiro é que os doentes com Parkinson sejam acompanhados sempre pelo mesmo médico, para que haja o maior conhecimento da sua personalidade, que facilite a abordagem terapêutica. O cérebro é um orgão muito conservador que não gosta de mudanças de terapêuticas, daí que seja fundamental que o doente não mude de médico.
Em segundo lugar, é crucial que o doente interaja com Associação de Doentes com Parkinson. No seu seio, encontram-se pessoas com os mesmos problemas que se podem ajudar umas às outras.

D.G - Existe alguma forma de prevenção da doença de Parkinson?
A.C.C - Como ainda não se sabem ao certo quais são os factores desencadeantes, é difícil falar com certeza em formas de prevenção, muito embora se pense que as pessoas não devam beber água dos poços.

Perfil Profissional:
Alexandre Castro-Caldas, actual Director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, foi até Fevereiro de 2004 Professor Catedrático de Neurologia na Faculdade de Medicina de Lisboa e Director do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria. Fez a sua licenciatura e o seu doutoramento na Faculdade de Medicina de Lisboa, onde iniciou a sua carreira em 1974. Foi responsável pelo Laboratório de Estudos de Linguagem até 1998 e organizou o Centro de Neurociências de Lisboa em 1990. Foi Presidente da International Neuropsychological Society (2000-2001). As suas publicações incluem um livro de texto para os estudantes e mais de 100 artigos em revistas internacionais, tais como: Brain, Neurology, NeuroImage, Journal of Cognitive Neurosciences, JINS, e inúmeros capítulos em livros nacionais e internacionais. É membro de diversas sociedades internacionais e consultor de muitas revistas nacionais e estrangeiras. O seu principal interesse cientifico relaciona-se com as Neurociências Cognitivas e com as doenças do Movimento.


Créditos da fotografia:
Daniela Gonçalves